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Mapa de citações

Marcelo Augusto Paiva e Luiz Augusto Campos

 

O Projeto Citas disponibiliza uma rede de conexão por citações bibliográficas, que abrange as referências mais recorrentes em vinte revistas das ciências sociais disponibilizadas na Scientific Eletronic Library Brasil (Scielo.br). Ela abrange todos os textos publicados de 2007 a 2018 das três disciplinas das Ciências Sociais: Sociologia, Antropologia e Ciência Política. As revistas brasileiras da área de saúde coletiva e medicina social, tidas como importantes materiais para o desenvolvimento de artigos científicos das disciplinas em Ciências sociais, não foram consideradas pelo seu volumoso número de artigos presentes (um número bem superior à média das outras revistas) e pelo seu viés específico, que eventualmente, poderia reformular os nichos de citação das próprias ciências sociais. As revistas escolhidas foram as seguintes:

  • Revista Brasileira de Ciências Sociais
  • Sociedade e Estado
  • Cadernos CRH
  • Cadernos Pagu
  • Horizontes Antropológicos
  • Sociologias
  • Novos Estudos CEBRAP
  • Mana
  • Tempo Social
  • Dados
  • Lua Nova
  • Revista Brasileira de Política Internacional
  • Religião e Sociedade
  • Opinião Pública
  • Vibrant
  • Sociologia e Antropologia
  • Revista Brasileira de Ciência Política
  • Civitas
  • Brazilian Political Review
  • Afro-Asia

O montante de artigos oriundos do período de 2007 a 2018, totalizaram sete mil duzentos e cinquenta e seis artigos (7.256). Dentre todo este material, a revista com maior contribuição de artigos para o corpus analisado foi a Revista Brasileira de Ciências Sociais, com 594 artigos (8,2%). Em contraposição, a revista com menor volume de contribuição para este conjunto foi a revista Afro Asia, com apenas 72 artigos (1% do total). A média de volume de contribuição é de 362 artigos por revista.

O software VosViewer, considerado um dos melhores instrumentos para análise de panoramas científicos, organizado pela Universidade de Leiden, identificou aproximadamente 78.216 citações nas referências bibliográficas, dentro destes 7.256 artigos, como diferentes “primeiros autores” em sua base. Isto significa dizer que, de acordo com a ferramenta, existem mais de 70.000 referências diferentes no corpus analisado, mesmo que um autor possa ser considerado o primeiro autor em uma publicação e segundo ou terceiro autor em outro documento. Nesse sentido, o VosViewer informa que existem, no mínimo, mais de 70 mil autores diferentes citados, enquanto referências, no conjunto de artigos analisados. Importante também sinalizar que a inserção de um thesaurus na ferramenta permitiu ajudar a evitar o efeito duplicata, evento no qual um autor se repete com uma ligeira diferença em sua grafia, sendo, assim, erroneamente contabilizado mais de uma vez.

Exigiu-se, também enquanto critério, que a análise de interação por referências bibliográficas se centralizasse somente nas citações dos principais autores desse corpus analisado. Expresso de outra maneira, a intenção era observar a rede de circulação de conhecimento, no âmbito das principais revistas em ciências sociais, dos autores mais recorrentes na base. Assim, esta metodologia permitiria observar com maior resolução o núcleo duro das ciências sociais e sua interação mais basilar, porém perderia a granularidade de observação dos autores mais internos às próprias disciplinas e com menor recorrência no conjunto geral de artigos. O corte estabelecido foi de que cada primeiro autor, tivesse, ao menos, cinquenta citações no conjunto desses periódicos analisados. O número, com essa limitação imposta, caiu de mais de 70 mil, para apenas duzentos e sessenta autores (260). O uso de um thesaurus de autores (parametrizando suas grafias recorrentes) já limpara a base previamente.

O autor mais citado neste conjunto de critério foi Pierre Bourdieu com aproximadamente duas mil (2.000) citações identificadas enquanto primeiro autor. Foucault aparece em segundo, com quase mil e duzentas (1200). Habermas fica em terceiro com quase oitocentas (800) e Weber em quarto, com aproximadamente setecentos e cinquenta (750). Marx e Latour, quinto e sexto, figuram com quinhentos e trinta (530) e quatrocentos e noventa (490), respectivamente. Elias, sétimo e Giddens, oitavo, contam respectivamente com quatrocentos e cinquenta e sete (457) e trezentas e noventa e um (391). Em nono, aparece o autor Honneth com trezentos e oitenta e sete (387) e, em décimo, figura Florestan Fernandes, com trezentas e trinta e nove (339). Estes números são tentativas de aproximação, quando compreendidas (i) as fragilidades em termos de parametrização de grafia dos nomes dos autores e (ii) a presença de trabalhos coletivos com mais de uma autoria. Estas dimensões ainda carecem de esforço metodológico mais aprofundado. Nota-se que, entre os dez mais citados, não há nenhuma presença feminina e o único brasileiro a aparecer, está em décimo.

Na confecção da rede, o software VosViewer performa um teste de agrupamento, a partir do conceito de proximidade local por recorrência de citação, que aproxima autores de sua vizinhança, pela circulação de citações, e os atribui uma cor enquanto marcação de um agrupamento próprio. Chama-se esse recurso de clusterização. Presume-se que esses clusters identificados sejam dotados de significação, utilidade e que possam apontar para sistemas de coesão, recorrências de distribuição, entre outros aspectos. Assim, com o critério de clusterização aplicado pela ferramenta, foram identificados quatro grandes agrupamentos envolvidos na produção de referências nas ciências sociais:

  1.  Azul: no primeiro cluster há um predomínio de referências importantes do campo da ciência política brasileira. Os principais autores nesse conjunto são: Jürgen Habermas, Axel Honneth, Nancy Fraser, Charles Taylor, Charles Tilly, Wanderley Guilherme dos Santos, entre outros. Em testes com cortes de citação menores, é possível verificar que, eventualmente, este grupo se dividira em dois outros subgrupos.
  2. Verde: no outro lado oposto da rede, mostrando pouca vizinhança entre este primeiro grupo, está o cluster verde. Nele, os principais autores e autoras são reconhecidamente do domínio da Antropologia. Os destaques são: Marcel Mauss, Michel Foucault, Cliford Geertz, Bruno Latour, Judith Butler, Roberto DaMatta, entre outros. Este grupo já possui maior resistência de quebra com cortes menores, sendo assim o mais “coeso” dos clusters.
  3.  Amarelo: ao centro do mapa, surge um grande cluster com maior recorrência de autores utilizados na Sociologia. Nele, aparecem autores como Pierre Bourdieu (o mais citado e central do mapa), Karl Marx, Max Weber, Anthony Giddens dentre outros. É nesse cluster que se encontra o maior número de “betweeners”, isto é, nós que são atalhos para que os outros nós possam percorrer outros pontos da rede, de forma global. Nesse sentido, estes nós auxiliam no contato intermediário entre outros clusters diferentes. Dado isto, o desenho da rede Citas sugere que a Sociologia, apesar de ter também seus usos mais específicos, possui amplo contato com as outras disciplinas, possivelmente articulando usos multidisciplinares das referências. Também sugere que a disciplina sociológica trafega nas outras disciplinas analisadas, fazendo usos comuns de diferentes autores no corpus.
  4. Vermelho: outro cluster intermediário que conecta os três outros agrupamentos aparece em vermelho. Embora nele predominem sociólogos como Florestan Fernandes, Guerreiro Ramos e Jessé Souza, é possível notar a presença de autores mais próximos da ciência política como Fernando Henrique Cardoso e Luiz Werneck Vianna, assim como nomes mais próximos da Antropologia como Lília Schwarcz e Roger Bastide. Trata-se, portanto, de referências mais próximas da área de pensamento social e político brasileiro, dividida entre as três disciplinas-clusters supracitados.

Grosso modo, este experimento permite dizer que as redes de referências mais recorrentes funciona como um bom proxy para a identificação disciplinar da produção em ciências sociais brasileiras, haja vista o fato de que a clusterização das redes de autores citados levou a uma configuração bem próxima da divisão disciplinar predominante no Brasil. Uma das exceções a isso é a autonomia relativa do agrupamento de pensamento social e político brasileiro, que opera como uma ponte entre todas as disciplinas, mas têm dinâmica própria de cocitação. Ademais, as referências Sociologia conectam aquelas da Ciência Política e da Antropologia, destacando a vocação interdisciplinar ou abarcante da primeira disciplina.

Novas abordagens podem emergir desta primeira exploração. Enquanto que cada conjunto de textos pode ser filtrado apenas por revistas de cada área, ampliando o olhar das redes para cada disciplina, novos cortes de citação podem ser estabelecidos, permitindo observar a taxa de renovação para cada ciência social, e identificar outros nichos e clusters de citação que possam emergir com novos parâmetros. Também é possível dimensionar esses clusters pela contribuição de cada periódico, por ano, permitindo compreender os fatores sociais que impactam nessa configuração das áreas. Outros aspectos, como a internacionalização, financiamento, coautoria, contribuição institucional podem, eventualmente, também compor novas abordagens.